SÁ, Nídia Limeira de. O professor de LIBRAS no ensino
superior: reflexões sobre seleção e atuação. Anais do 6. Congresso Internacional
de Educação. N1, 2009. São Leopoldo: Casa Leiria, UNISINOS, 2009. ISSN
2175-277X
O
texto relata as reflexões possíveis à autora a partir de sua experiência em
processos seletivos para professores de Libras no ensino superior. Objetiva abordar
a legislação pertinente e as especificidades que precisam ser mais
adequadamente observadas quanto à seleção e à atuação do professor de Libras, destacando
algumas certezas que a problemática aponta, bem como inúmeras incertezas que
não estão suficientemente demonstradas no cotidiano do ensino superior. As
principais dúvidas tratadas são: Para quê ensinar Libras no ensino superior? O
que deve compor a disciplina? Quem há de ser o professor de Libras no ensino
superior? Como selecionar o professor de Libras para o ensino superior? Comenta
que ainda há no Brasil um grande desconhecimento sobre a legislação e sobre as
expectativas do trabalho do professor de Libras. Aponta algumas questões: O que
significa incluir uma língua obrigatoriamente no currículo? Qual a importância
atribuída aos profissionais surdos como modelos disponíveis de proficiência e
de identidade cultural? A escola está disposta a garantir espaço para as
manifestações culturais e as formas de expressão do surdo? Conclui dizendo que
as marcas culturais e linguísticas que os surdos deixam na escola são
facilitadas ou dificultadas por diversos fatores: pelo nível de conhecimento
dos professores sobre a sua língua e a sua cultura; tipos de escola
disponíveis; competência técnica dos profissionais intérpretes; presença de
profissionais surdos; critérios realistas de avaliação; liberdade de expressar
suas potencialidades; dentre outros.
Após ter participado de três Bancas
Examinadoras em concursos públicos para professor de Libras no magistério
superior no Brasil (Norte e Sudeste), bem como em três processos seletivos para
o mesmo cargo em instituições privadas de ensino superior (Norte e Nordeste),
resolvi relatar algumas certezas e algumas dúvidas que se apresentam atualmente
no cotidiano da formação de professores.
Em 2002 foi promulgada no Brasil uma
Lei que estabeleceu que os sistemas educacionais devem garantir a inclusão do
ensino da Língua Brasileira de Sinais - Libras nos cursos de formação de Educação
Especial, de Fonoaudiologia e de Magistério, em seus níveis médio e superior (artigo
4º da Lei 10.436). Esta Lei foi posteriormente regulamentada pelo Decreto
5626/2005 (que também regulamenta o artigo 18 da Lei 10.098/2000)[1],
trazendo explicitações importantes e prazos a serem cumpridos. Diversas
instituições, públicas e privadas, têm procurado cumprir a determinação legal,
mas, inúmeras dúvidas e polêmicas têm surgido. Talvez se possa dizer que há
mais dúvidas que certezas circulando no entorno da questão no país.A. Algumas certezas:
A principal certeza é a de que existe
um grande número de estudantes surdos a serem atendidos educacionalmente, e
este atendimento demanda conhecimentos que a maioria dos professores ainda não
tem, como também demanda um ambiente educacional diferenciado, o que
infelizmente não se encontra na maioria das escolas brasileiras.
Outra certeza é a de que a Libras
precisa ter presença prioritária e garantida na educação das pessoas surdas, o
mais precocemente possível, pelo fato de que se trata da única língua que pode
ser adquirida naturalmente pela pessoa surda.Faz-se imprescindível o entendimento de que a aquisição natural e precoce, a que os surdos têm direito, exige a disponibilização de um ambiente linguístico natural. Inúmeras discussões têm surgido sobre a impossibilidade de a escola comum poder ser organizada como um ambiente linguístico que faz jus à adjetivação de “natural”.
Outra certeza é a de que é necessário melhorar a formação dos profissionais da Educação e transformar a escola a que os surdos estão tendo acesso no Brasil, agindo eficientemente para mudar radicalmente o quadro de insucesso que já perdura por mais de um século da educação de surdos. Este insucesso tem mantido a maioria dos surdos alijada do direito de se tornarem bilíngues, e, até mesmo, sem acesso a língua alguma, ocasionando perdas pessoais, culturais e sociais incalculáveis.
O surdo é uma pessoa bastante diferente do ouvinte, pois é singular em suas demandas, e sua surdez requer uma abordagem educacional que priorize suas potencialidades, e não sua deficiência sensorial. A abordagem educacional precisa potencializar sua experiência visual, as suas estratégias cognitivas particulares de aprendizagem, e seu jeito próprio de ser-surdo.
Uma “certeza” fica explícita (não pela sua natureza, mas, pela clareza com que está posta), qual seja: a certeza sobre os destinatários do ensino de Libras no ensino superior. O Decreto 5626/05 esclarece que a disciplina Libras deve ser obrigatória nos cursos de formação de professores para o exercício do magistério, em nível médio e superior, e nos cursos de Fonoaudiologia, de instituições de ensino, públicas e privadas, do sistema federal de ensino e dos sistemas de ensino dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios (artigo 3º). Para que não haja dúvidas, o Decreto esclarece que todos os cursos de licenciatura, nas diferentes áreas do conhecimento, o curso normal de nível médio, o curso normal superior, o curso de Pedagogia e o curso de Educação Especial são considerados cursos de formação de professores e profissionais da educação para o exercício do magistério (parágrafo 1o). Na tentativa de ampliar a oferta, o Decreto diz que a disciplina Libras constituir-se-á em disciplina curricular optativa nos demais cursos de educação superior, colocando, também, a expectativa em direção à educação profissional (artigo 3º, parágrafo 2o).
Assim, o que fica definido, é que o ensino de Libras se destina a TODOS os profissionais em formação no ensino superior, no magistério médio e na educação profissional, tendo, apenas o caráter de ser obrigatório para uns e de ser opcional para outros[2].
B. Algumas dúvidas:
Para quê ensinar Libras no ensino
superior?
A questão dos objetivos do ensino de
Libras no ensino superior de forma obrigatória na formação de professores e de
fonoaudiólogos ainda não está bem esclarecida; os estudantes não estão
suficientemente convencidos desta necessidade, e, é possível afirmar que a
sociedade em geral ainda não está suficientemente convencida.
O Decreto não especifica os objetivos
nem a carga horária da referida disciplina. O que, em geral, está acontecendo é
que inúmeras instituições têm destinado cerca de 40 horas-aula, e, a maioria
não ultrapassa 80 horas. Pergunta-se: o que 40 ou 80 horas de ensino de Libras
pode influir na formação de um profissional da educação ou de um fonoaudiólogo?Penso que seja importante deixar bem claro que esta carga horária mínima não capacitará ninguém para se tornar um usuário da Libras. Nenhuma língua é aprendida em tão pouco tempo!
Para alguns, o objetivo principal da disciplina é aprender a usar a língua para se comunicar com os surdos. Veja-se, como exemplo, o interessante texto da dissertação de mestrado da professora surda Larissa Rebouças apresentada na Universidade Federal da Bahia em 2009. Nele lemos:
“a disciplina LIBRAS existe para que o aluno aprenda a
usar a LS e como se comunicar com os surdos. A carga horária da disciplina já é
limitada e uma preocupação excessiva com temas teóricos pode diminuir o tempo
destinado à prática comunicativa” (p. 100).
Na minha visão, além de uma
oportunidade de aprendizado inicial da Libras, a principal vantagem de ter esta
disciplina nos cursos superiores é que sua presença pode suscitar inúmeras e
importantes discussões a respeito deste grupo específico de estudantes, bem
como marca um espaço para a sensibilização sobre a necessidade de um trabalho
diferenciado com pessoas surdas, dando lugar para que esta diferença seja
visível, notada, legitimada. Pode possibilitar, por outro lado, um novo
posicionamento social da comunidade surda, fazendo um movimento de afastamento
das margens para as questões sociais centrais e abrindo frentes para novas
atuações no mundo do trabalho. A disponibilidade que se está verificando
atualmente para a chamada “inclusão”, pode vir até a trazer novas marcas
sociais para os surdos (que podem deixar o espaço da concessão e do
assistencialismo e vir em direção ao espaço do direito), no entanto, pode
trazer, também, a instituicionalização da negação da surdez e dos seus direitos
de grupo cultural e linguístico.
Assim, a inclusão desta disciplina nos
currículos do ensino superior também oferece riscos, dentre os quais o risco de
se achar que esta oportunidade de inclusão da disciplina Libras será suficiente
para alterar o quadro de insucesso educacional que historicamente tem marcado
os surdos, bem como o risco de transferir para os professores a culpa pelo
insucesso escolar. Urge que se diga que o insucesso não é tão somente decorrente
das falhas na formação dos professores e, sim, da falta de um ambiente
linguístico natural para a aquisição precoce da Língua de Sinais
(principalmente pelos pequenos surdos nos primeiros anos), da falta de
professores verdadeiramente bilíngues, da falta de profissionais tradutores e
intérpretes capacitados e devidamente contratados para o acompanhamento nas
salas de aula comuns, da falta de escolas e classes bilíngues e específicas
para surdos, dentre outras subtrações importantes. Tendo clareza das vantagens
e dos riscos, é necessário perguntar:
O que deve
compor a disciplina Libras?
Acaso tal disciplina no ensino
superior serve para o efetivo ensino da língua de sinais, propriamente dito?
Serve para capacitar os estudantes para serem usuários da Libras? Certamente
que uma carga horária tão pequena não dá conta de instrumentalizar os
estudantes para o uso regular da língua de sinais.
Acaso o adequado seria incluir
conteúdos como: expressão corporal e facial; alfabeto manual; sinais de nomes
próprios; tipos de frases em Libras; alimentação; árvore genealógica; objetos;
vestuário; profissões; meios de comunicação; valores monetários; medidas; meios
de transporte; estados do Brasil; gramática da Libras; etc.?... Ou se deveria
incluir temas como: A história da surdez e dos
surdos; as abordagens históricas na educação de surdos: Oralismo, Comunicação
Total e Bilinguismo(s); peculiaridades e estrutura gramatical da Libras; o
ensino da Língua de Sinais Brasileira na legislação brasileira, dentre
outros?... Ou seja: a ênfase deveria ser dada ao ensino prático da língua ou às
reflexões sobre o atendimento aos surdos enquanto cidadãos de direitos linguísticos?
Em minha opinião, o ensino de Libras no ensino superior deveria abranger um pouco de tudo isto e muito mais, como: a cultura surda; questões relativas à identidade surda; as relações de poder entre surdos e ouvintes; questões relativas à tradução e à interpretação da Libras; a pedagogia surda; além da análise contrastiva entre a língua de sinais e a língua da maioria. No entanto, é óbvio que uma disciplina de carga horária tão restrita não dá conta desta amplitude. Certamente, surgirão inúmeros e diferenciados conteúdos programáticos que atenderão aos objetivos da formação dos profissionais de cada curso específico.
Assim, estes fatos e estas preocupações remetem à questão:
Quem há de ser o professor de Libras no ensino superior?
Diversas instituições de ensino superior no Brasil têm procurado reservar vagas de professores para a disciplina Libras. A regulamentação diz, com grande especificidade e propriedade, que a formação de docentes para o ensino de Libras nas séries finais do ensino fundamental, no ensino médio e na educação superior deve ser realizada em nível superior, em curso de graduação de licenciatura plena em Letras: Libras ou em Letras: Libras/Língua Portuguesa como segunda língua; e, no parágrafo único, que as pessoas surdas terão prioridade nos cursos de formação previstos no caput (artigo 4o do Decreto).
Considerando que as primeiras turmas de cursos de Letras/Libras ainda estão em fase de formação e que, mesmo formadas, serão insuficientes para a demanda de todo o país, as instituições, em geral, têm aceitado profissionais sem esta graduação específica e, a maioria delas não prioriza professores surdos para o ensino de Libras.[3]
Pelo menos em nível das minhas observações atuais, as instituições não têm exigido que os profissionais responsáveis pela disciplina Libras no ensino superior brasileiro sejam da área de Letras. O foco vai primeiramente para o conhecimento ou não da língua e nem mesmo enfatizam o ser ou não ser surdo.
Diz o Decreto, no artigo 7º, que a partir de um ano da publicação do Decreto (2005), os sistemas e as instituições de ensino da educação básica e as de educação superior devem incluir o professor de Libras em seu quadro do magistério (parágrafo 2o). Diz que as instituições têm até 2015 para tais contratações, e,
“caso não haja docente com título de pós-graduação ou
de graduação em Libras para o ensino dessa disciplina em cursos de educação
superior, ela poderá ser ministrada por profissionais que apresentem pelo menos
um dos seguintes perfis:
I - professor de Libras, usuário dessa
língua com curso de pós-graduação ou com formação superior e certificado de
proficiência em Libras, obtido por meio de exame promovido pelo Ministério da
Educação;
II - instrutor de Libras, usuário dessa
língua com formação de nível médio e com certificado obtido por meio de exame
de proficiência em Libras, promovido pelo Ministério da Educação;
III - professor ouvinte bilíngue:
Libras - Língua Portuguesa, com pós-graduação ou formação superior e
com certificado obtido por meio de exame de proficiência em Libras, promovido
pelo Ministério da Educação”.
Os
itens I e II não dizem explicitamente que se referem necessariamente a
profissionais surdos (pois pode acontecer que algum ouvinte seja professor de
Libras ou instrutor de Libras), mas dizem que este deve ser usuário de Libras;
alguém pode questionar que um ouvinte pode ser “usuário de Libras”, mas, a
referência do item III que adiante diz “professor ouvinte bilíngue:
Libras -Língua Portuguesa, com pós-graduação, ou formação superior e com
certificado obtido por meio de exame de proficiência em Libras” dá o sentido de que os pontos I e II referem-se
a surdos. Logo, a prioridade no ensino de Libras segundo a legislação atual,
deve ser dada aos surdos.
Na
visão de Rebouças (ibid),
“As prioridades I e II foram estabelecidas devido às
reivindicações da comunidade surda brasileira consciente de que o profissional
surdo é o que há de melhor para o ensino da LIBRAS. Os surdos em todo mundo
sabem do fato incontestável da experiência visual como fator importante de
fluência comunicativa e identidade. A legislação reconheceu a importância da
experiência visual para a atuação docente e por isto estabeleceu uma prioridade
e uma hierarquia, com o objetivo de garantir professores com a melhor
qualificação para o ensino da LIBRAS.
Gostaria de destacar que, além da experiência visual,
a prioridade estabelecida para surdos como professores de LIBRAS também se deve
a outro fato incontestável: somente o usuário nativo de uma língua pode ser um
modelo linguístico natural para alunos surdos ou ouvintes”. (p. 60).
Tenho observado que as instituições
públicas priorizam mais a titulação e algumas também focam na experiência na
área da Educação Especial, sem destacarem a certificação de proficiência em
Libras, enquanto que as instituições privadas de menor porte focam mais na
certificação da proficiência em Libras, sem fazerem tanta exigência pela
titulação.
Outro acontecimento comum tem sido
que, dada a escassez de vagas de professores para o ensino superior público,
tem acontecido um ajuntamento, pelo menos, estranho: a contratação para o
ensino de Libras aliado ao ensino de Educação Especial. Esta é uma questão que merece ser discutida, pois, é outra forma de cristalizar a visão de que a Educação de Surdos é, necessariamente, uma sub-área da Educação Especial, sem atentar no fato de alguns autores questionam este “lugar” obrigatório, e, sem atentar também para o fato de que há todo um referencial teórico na área da Educação de Surdos que busca outras aproximações (da Sociologia, da Antropologia, dos Estudos Culturais, dos Estudos Surdos, dos estudos indígenas, dos estudos de gênero, etc.) (Skliar, 1998 e Sá, 2006).
Infelizmente esta “ligação” com a Educação Especial, que deixa para a disciplina Libras apenas 50% de uma vaga, tem trazido o enfraquecimento do propósito da inclusão da disciplina Libras como obrigatória nos cursos de formação de professores e de Fonoaudiologia. Na verdade, o que está previsto no Decreto (artigo 10º) é que este professor de Libras também possa coordenar as atividades que atendem à obrigação de que as instituições de educação superior devem incluir a Libras como objeto de ensino, pesquisa e extensão nos cursos de formação de professores para a educação básica, nos cursos de Fonoaudiologia e nos cursos de Tradução e Interpretação de Libras - Língua Portuguesa. Ora, se este profissional já começa dividido, fatiado, como poderá dar conta de tudo o que envolve o ensino, a pesquisa e a extensão na disciplina Libras?
Ademais, diz o artigo 13º do referido Decreto, que há ainda outra necessidade a ser atendida pelas instituições de nível superior: o ensino da modalidade escrita da Língua Portuguesa, como segunda língua para pessoas surdas, que deve ser incluído como disciplina curricular nos cursos de formação de professores para a educação infantil e para os anos iniciais do ensino fundamental, de nível médio e superior, bem como nos cursos de licenciatura em Letras com habilitação
Ao passar num processo seletivo, muitos dos profissionais que passam a atuar como professor de Libras geralmente não têm clareza do que se espera deles, nem da amplitude das possibilidades que a disciplina oferece, nem mesmo sabem dos questionamentos feitos por muitos membros da comunidade surda.
Trago como exemplo os questionamentos de Rebouças (ibid):
“Uma vez
reconhecida e regulamentada após os esforços da comunidade surda brasileira, a
LIBRAS ganhou espaço como disciplina nas IES, mas pessoas ouvintes têm ocupado
estes postos de trabalho. Muitas destas pessoas deveriam saber, e muitas delas
sabem, que existem surdos qualificados para o ensino da LIBRAS. A atitude ética
e solidária, que estas pessoas deveriam ter, seria respeitar a prioridade legal
dada aos surdos e informar as entidades de surdos a fim de que estas possam
intermediar a correta contratação de instrutores/professores de LIBRAS pelas
IES. Mas, lamentavelmente, estas pessoas ouvintes não parecem estar realmente
preocupadas com o desenvolvimento dos surdos e o que é pior, em muitos casos,
se dispoem a ensinar uma língua que não dominam”. (p. 100)
Estas condições
anuviadas geram outro questionamento:
Como
selecionar o professor de Libras para o ensino superior?
Considerando
que a legislação prioriza professores surdos para ministrar o ensino de Libras,
os concursos públicos e processos seletivos deveriam prever formas de priorizar
os profissionais surdos usuários e proficientes na língua de sinais, talvez com
uma pontuação maior, visto que os professores ouvintes podem até ser
proficientes, mas, certamente não são usuários naturais da língua de sinais, e,
pelo que, no Decreto, os ouvintes aparecem como terceira opção[5].
Para
objetivar, diria que numa escala de prioridades para a seleção de professores
de Libras (que pode, inclusive, pontuar escalonadamente), poderia ser
semelhante à que segue:
1
|
Surdo, usuário dessa língua com curso de
pós-graduação e com formação superior em licenciatura plena em Letras:
Libras, ou, em Letras: Libras/Língua Portuguesa como segunda língua, e
certificado de proficiência em Libras, obtido por meio de exame promovido
pelo Ministério da Educação;
|
2
|
Surdo, usuário dessa língua com formação
superior em curso de licenciatura plena em Letras: Libras, ou, em Letras:
Libras/Língua Portuguesa como segunda língua, e certificado de proficiência
em Libras, obtido por meio de exame promovido pelo Ministério da Educação;
|
3
|
Surdo, instrutor de Libras, usuário dessa língua com
formação de nível médio e com certificado obtido por meio de exame de
proficiência em Libras, promovido pelo Ministério da Educação;
|
4
|
Professor ouvinte bilíngue:
Libras - Língua Portuguesa, com curso de pós-graduação, e com
formação superior em licenciatura plena em Letras: Libras, ou, em Letras:
Libras/Língua Portuguesa como segunda língua, e certificado de proficiência
em Libras, obtido por meio de exame promovido pelo Ministério da Educação;
|
6
|
Professor ouvinte bilíngue:
Libras - Língua Portuguesa, com formação superior em licenciatura
plena em Letras: Libras, ou, em Letras: Libras/Língua Portuguesa como segunda
língua, e certificado de proficiência em Libras, obtido por meio de exame
promovido pelo Ministério da Educação;
|
7
|
Professor ouvinte bilíngue: Libras - Língua
Portuguesa, com pós-graduação e com certificado obtido por meio de exame de
proficiência em Libras, promovido pelo Ministério da Educação.
|
8
|
Professor ouvinte bilíngue:
Libras - Língua Portuguesa, com formação superior e com certificado
obtido por meio de exame de proficiência em Libras, promovido pelo Ministério
da Educação.
|
|
|
9
|
Professor ouvinte bilíngue:
Libras - Língua Portuguesa, com pós-graduação.
|
10
|
Professor ouvinte bilíngue:
Libras - Língua Portuguesa, com formação superior.
|
Observe-se
que em nenhum momento a legislação admite professores de Libras sem o exame de
proficiência em Libras promovido pelo Ministério da Educação. No entanto,
incluí os itens 9 e 10 porque esta situação está acontecendo no Brasil, qual
seja: a presença de candidatos a professores de Libras que não têm o exame de
proficiência em Libras, seja em concursos públicos (que nem mesmo fazem esta
exigência), seja em processos seletivos de instituições privadas.
O Decreto
coloca o surdo instrutor de Libras antes do professor ouvinte
bilíngue (veja itens II e III do artigo 7º), mas, dada a necessidade de
titulação característica do ensino superior, muitas instituições têm evitado a
contratação de professores surdos apenas com o nível médio, priorizando, assim,
os ouvintes (ainda que isto não seja declarado).Em verdade, o texto legal traz uma ordenação explícita no uso dos numerais (I, II e III), mas, em nenhum trecho explicita a obrigatoriedade do cumprimento desta ordem. Pode deixar parecer que trata-se meramente de uma ordem desejável, mas, certamente, neste entendimento, haverá discordâncias e debates.
Segundo o Decreto, o exame de proficiência em Libras é promovido, anualmente, pelo Ministério da Educação e por instituições de educação superior por ele credenciadas para essa finalidade, e deve avaliar a fluência no uso, conhecimento e competência para o ensino dessa língua, habilitando o instrutor ou o professor para a função docente (artigo 8º). Diz, ainda, o Decreto, que a Banca Examinadora de tal exame deve ser constituída por docentes surdos, linguistas, e tradutores e intérpretes de Libras, de instituições de educação superior (artigo 20º, parágrafo único). Logo, a presença de docentes surdos, bem como de linguistas e de tradutores e intérpretes de Libras pode colaborar para com a necessidade de examinar se o candidato é ou não bilíngue.
Logo, pelo que se depreende do Decreto 5626/05, um professor que não seja bilíngue não pode ser professor de Libras no ensino superior. Ora, se há a clara orientação de que os professores de Libras sejam usuários e fluentes em Libras, é óbvio que se espera que as bancas examinadoras de concursos sejam capazes de avaliar se os candidatos são mesmo usuários e proficientes em Libras, e que isto faça parte dos itens a serem avaliados. Sabe-se, no entanto, que esta não é a realidade no Brasil, pois que o número de professores usuários de Libras, aptos para uma avaliação desta natureza, ainda é muito restrito no Brasil, levando, como tem acontecido, a que um número imenso de professores seja investido da responsabilidade de desenvolver a disciplina Libras sem a capacitação mínima necessária.
No texto de Rebouças (ibid) temos:
“Muitas IES evitam a
contratação de surdos com o argumento de que não querem o trabalho de pessoas
que não tenham diploma de nível superior, o que fere o direito dos instrutores
de nível médio. Este contexto também favorece o preenchimento indevido de
postos de trabalho por ouvintes diplomados, mas nem sempre fluentes. Entendo
que o ensino de LIBRAS não é vetado às pessoas ouvintes, elas podem exercer a
docência desta disciplina desde que sejam fluentes na língua, mantenham contato
com a comunidade surda, bem como pratiquem um currículo que estimule a
comunicação em LS.
A participação de pessoas surdas como auxiliares de
professores ouvintes é uma prática prejudicial para os alunos. Pessoalmente,
entendo que é uma divisão horrível do trabalho docente, uma vez que expõe
pessoas surdas num papel de ‘apoio’ quando elas deveriam estar exercendo a
docência de sua língua. Pessoas surdas convidadas a ‘mostrar’ sinais isolados
não estão ensinando pessoas ouvintes a se comunicar com surdos. (...) Quando um professor ouvinte aborda temas teóricos na disciplina de
LIBRAS e convida uma pessoa surda para exercer um papel de ‘apoio ou de monitor’,
ocorrem dois problemas graves: o conteúdo da disciplina está sendo deturpado e
a pessoa surda que colabora de boa fé é vista pelos alunos como alguém menos
importante e subalterno” (p. 98).
Algumas
sugestões para a realização de seleção para professores de Libras:
a)
Priorizar o candidato surdo:Divulgando chamada inicial para surdos. Não havendo candidatos surdos, passar a chamar candidatos ouvintes.
Apenas para compreensão, comento o fato de que uma instituição que recentemente promoveu concurso público para professor de Libras fez a seguinte chamada escalonada: 1. Doutor em Libras; 2. Professor de Libras, usuário dessa língua, com Doutorado em qualquer área de conhecimento e certificado de proficiência em Libras, com prioridade, neste caso, para candidatos surdos.
Divulgou ainda, no edital, que sessenta dias após a publicação do edital para candidatos com Doutorado em Libras, caso não se apresentassem candidatos com Doutorado em Libras, o prazo de inscrição seria automaticamente prorrogado por mais sessenta dias, sendo aceitas inscrições de candidatos que fossem professores de Libras, usuários dessa língua, com Doutorado em qualquer área de conhecimento e certificado de proficiência em Libras, obtido por meio de exame promovido pelo Ministério da Educação, com prioridade, neste caso, para candidatos surdos.
b) Priorizar o candidato bilíngüe:
Pontuando satisfatoriamente a proficiência, e priorizando os profissionais que apresentem a certificação do exame de proficiência em Libras promovido pelo MEC.
Prevendo, como um dos itens do concurso, um exame de proficiência em Libras, o qual pode ser feito pela própria Universidade que demanda a vaga de professor de Libras (caso ela tenha quadros de profissionais competentes para tal).
Colocando na Banca Examinadora: docentes surdos, tradutores e intérpretes de Libras, linguistas, professores de Libras de outras IES, além de profissionais (doutores ou mestres) da área da educação de surdos, preferencialmente bilíngues.
c) Definir, antes do Concurso, a ementa da disciplina e o formato da disciplina.
Esclarecendo o público-alvo da disciplina: o professor de Libras vai formar professores de surdos, professores da Educação Especial, professores em geral ou outros profissionias?
Esclarecendo os conteúdos da disciplina: O professor de Libras vai ministrar o quê? Aulas de Libras? Aulas de educação de surdos? Aulas de Educação Especial? Que percentagem da carga horária será gasta com o ensino da língua? Qual percentagem será investida em conteúdos gerais da educação de surdos?
Esclarecendo o formato da disciplina: A disciplina tem uma parte prática e outra teórica? O professor de Libras vai se ocupar apenas da parte teórica? Estão previstos instrutores/tutores/monitores surdos usuários da Libras para atuarem junto ao professor de Libras? Quem selecionará estes instrutores/tutores/monitores surdos?[6]
d) Incluir uma prova de arguição oral de projeto de pesquisa, a ser entregue pelo candidato no ato da inscrição, sobre ensino de Libras.
e) Incluir uma prova de arguição oral de projeto de extensão, a ser entregue pelo candidato no ato da inscrição, sobre ensino de Libras.
f) Utilizar um BAREMA, com itens como os que seguem:
Itens
|
Pontuação[7]
|
Surdo usuário
proficiente de Libras
|
|
Ouvinte
bilíngue proficiente em Libras
|
|
Curso
de pós-doutorado na área
|
|
Curso
de pós-doutorado fora da área
|
|
Curso de pós-graduação stricto sensu em nível de
Doutorado, na área
|
|
Curso de pós-graduação stricto sensu em nível de
Doutorado, fora da área
|
|
Curso
de pós-graduação stricto sensu em nível de Mestrado, na área
|
|
Curso
de pós-graduação stricto sensu em nível de Mestrado, fora da área
|
|
Curso
de pós-graduação lato sensu, na área
|
|
Curso
de pós-graduação lato sensu fora da área
|
|
Formação
superior em licenciatura plena em Letras: Libras, ou, em Letras:
Libras/Língua Portuguesa como segunda língua
|
|
Formação
superior
|
|
Certificação
de proficiência em Libras, de nível superior (MEC)
|
|
Certificação
de proficiência em Libras, de nível médio (MEC)
|
|
Atividades
de tradução e interpretação de Libras
|
|
Coordenação
de atividades para e com a comunidade surda
|
|
Conhecimentos
e experiência em educação de surdos
|
|
Participação
em cursos livres de Libras
|
|
Considerações
finais
Muitas das sugestões e comentários
aqui apresentados parecem ser óbvios, principalmente considerando que existe
uma Lei já regulamenta o tema. No entanto, são importantes para um sem número
de pessoas e de instituições, pois, o que temos visto, ainda, no Brasil é um
grande desconhecimento sobre a lesgislação e uma grande confusão quanto às
expectativas do trabalho do professor de Libras. O “fatiamento” das vagas de
professor (concursos para Educação Especial/LIBRAS, Educação Inclusiva/LIBRAS,
Fundamentos da Educação/LIBRAS, etc.) é, justamente, o principal dado que
atesta a confusão.
Outro item que atenta contra a
adequada ocupação do espaço do ensino de Libras é a relação de temas para
sorteio de pontos em concursos públicos. No Brasil, este “fatiamento” das vagas
tem feito com que inúmeras pessoas não-qualificadas sejam aprovadas em
concursos públicos. Alguns concursos, ao elencarem dez pontos para os exames de
seleção, por exemplo, sorteiam pontos relativos à área da outra fatia e a Banca
Examinadora não tem como avaliar os conhecimentos sobre o ensino de Libras. No
entanto, no afã de compor um quadro de docentes, diversas Bancas Examinadoras acabam
por aprovar pessoas desqualificadas para exercer a função de professor de
Libras.Questões que estão por trás desta confusão são: o que significa incluir uma língua obrigatoriamente no currículo? Trata-se de uma língua qualquer ou ela tem, realmente, o status de segunda língua oficial do Brasil? A presença de docentes surdos no processo educacional é de fato desejável? É desejável a quem? É indesejável? Qual a importância atribuída aos profissionais surdos como modelos disponíveis de proficiência e de identidade cultural? A escola está disposta a garantir espaço privilegiado para as manifestações culturais e as particulares formas de expressão da pessoa surda? As instituições acreditam que esta determinação legal veio para ficar ou que trata-se de outra obrigação que jamais será cobrada do poder público?
Cabe lembrar que a legislação aponta não só o ensino de Libras para diversos cursos, mas, também para o “ensino da modalidade escrita da Língua Portuguesa como segunda língua para pessoas surdas”, o qual, segundo o artigo 13º do referido Decreto, deve ser incluído como disciplina curricular nos cursos de formação de professores para a educação infantil e para os anos iniciais do ensino fundamental, de nível médio e superior, bem como nos cursos de licenciatura em Letras com habilitação
Qual seria, então, o adequado motivo para a inclusão da disciplina Libras nos currículos do ensino superior? Eu diria que esta inclusão será importante se a passagem pela disciplina Libras servir para apontar, ao futuro profissional, as especificidades da comunidade surda e suas demandas, e para capacitá-lo a identificar as condições mínimas necessárias para o sucesso educacional deste grupo. Pode ser, ainda, o início de um encantamento para com uma língua interessante que demanda maiores investimentos de aprendizagem.
O objetivo deve ser o de dar a todo professor o conhecimento de que existe uma minoria surda que demanda um atendimento diferenciado baseado na sua língua natural (língua 1) – e isto altera toda a configuração do processo educacional.
Nesta mesma perspectiva temos o seguinte comentário:
“Os professores em formação devem ser tranquilizados
de que não se está esperando que eles, pela obrigatoriedade legal de receber
toda e qualquer criança em sua sala de aula, seja obrigado a educar a criança
surda utilizando a Língua de Sinais, visto que, nem que fosse possível aprender
a Libras em apenas uma disciplina obrigatória em sua graduação, jamais seria
possível usar duas línguas ao mesmo tempo, em sua sala de aula. O professor de
escola regular precisa, isto sim, conhecer a Língua de Sinais para conversar com
seus alunos, para entender seus questionamentos, e para que possa aproveitar
melhor o trabalho do intérprete de Língua de Sinais. Se o objetivo do ensino de
Libras como uma disciplina é capacitar os professores para dirigirem o processo
ensino-aprendizagem em duas línguas, se está criando expectativas infundadas,
que poderão gerar frustração nos professores e nas famílias, bem como manter a
exclusão dos surdos” (Sá, 2009).
Enfim, as marcas culturais e linguísticas que os
surdos deixam (ou precisam deixar) na escola brasileira, e que podem contribuir
para reverter o longo histórico de insucesso educacional, são facilitadas ou
dificultadas por diversos fatores: pelo nível de conhecimento dos professores
sobre a sua língua e a sua cultura; pelos tipos de escola disponíveis; pelo
nível de competência técnica e ética dos profissionais intérpretes; pela
presença de profissionais surdos proficientes na língua de sinais; pelos
critérios realistas de avaliação; pela liberdade de expressar suas
potencialidades; dentre outros. Certamente estas condições serão diminuídas ou
ampliadas se a legislação brasileira – que está na vanguarda do tema – for
compreendida e respeitada.
REFERÊNCIAS
BRASIL.
Lei 10.098, de 19 de dezembro de 2000. Estabelece normas gerais e critérios básicos para a
promoção da acessibilidade das pessoas portadoras de deficiência ou com
mobilidade reduzida, e dá outras providências. Brasília, 2000.
BRASIL. Lei
10.436 de 24 de abril de 2002. Dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais –
Libras e dá outras providências. Brasília, 2002.BRASIL. Decreto 5626 de 22 de dezembro de 2005. Regulamenta a Lei no 10.436, de 24 de abril de 2002, que dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais - Libras, e o artigo 18 da Lei no 10.098, de 19 de dezembro de 2000. Brasília, 2005.
REBOUÇAS, Larissa. A prioridade dos docentes surdos para ensinar a disciplina língua brasileira de sinais nas instituições de ensino superior após o Decreto 5.626/2005. Bahia: Universidade Federal da Bahia, 2009. (Dissertação de Mestrado)
SÁ, Nídia Regina L. As diferentes práticas pedagógicas com estudantes surdos. Manaus: Centro de Educação a Distância da Universidade Federal do Amazonas, 2009. Caderno de Estudos da Disciplina. (No prelo)
_________________. Cultura, poder e educação dos surdos. São Paulo: Paulinas, 2006.
SKLIAR, Carlos. Um olhar sobre o nosso olhar acerca da surdez e das diferenças. In: SKLIAR, Carlos. A surdez: um olhar sobre as diferenças. Porto Alegre: Editora Mediação, 1998.
[1] “O Poder Público implementará a
formação de profissionais intérpretes de escrita em braile, linguagem de sinais
e de guias-intérpretes, para facilitar qualquer tipo de comunicação direta à
pessoa portadora de deficiência sensorial e com dificuldade de comunicação”.
[2] Apesar de não aparecer explicitado, o
ensino de Libras para surdos pode estar contemplado nesta abrangência,
considerando que se trata de outra abordagem extremamente necessária e que pode
facilitar, para este grupo, a aprendizagem das duas línguas envolvidas (a
língua da maioria e a Língua de Sinais).
[3] A prioridade a ser
dada para os professores surdos, ou para professores bilíngues, para ensinar
Libras aos pequeninos da educação infantil ou nos anos iniciais, é abordada no artigo
5º, que diz: “a formação de docentes para
o ensino de Libras na educação infantil e nos anos iniciais do ensino
fundamental deve ser realizada em curso de Pedagogia ou curso normal superior, em que Libras e Língua
Portuguesa escrita tenham constituído línguas de instrução, viabilizando a
formação bilíngue”. Considerando que são raríssimos no Brasil os cursos de
pedagogia ou normal superior em
que Libras e Língua Portuguesa escrita são usadas como
línguas de instrução (cursos estes que viabilizam a presença de surdos e
ouvintes), entende-se que a exigência para atuar nestes primeiros níveis é que
sejam, pelo menos, professores bilíngues com experiência da Libras como língua
de instrução, admitindo-se, “como
formação mínima de docentes para o ensino de Libras na educação infantil e nos
anos iniciais do ensino fundamental, a formação ofertada em nível médio na
modalidade normal, que viabilizar a formação bilíngue” (parágrafo 1o).
[6] Isto tudo tem que
estar muito claro porque um professor de Libras, após ser selecionado (talvez
até mal selecionado) mas não ser esclarecido sobre as expectativas, poderá argumentar
que ele se responsabilizará apenas pela parte teórica e que não se
responsabilizará pelo ensino da língua propriamente dito.