quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

DISCURSO como Paraninfa do Curso Letras/LIBRAS - Pólo UFAM




 21 de fevereiro de 2011


Vou começar este discurso fazendo uma grande maldade com o(a) intérprete!

Começarei lendo um poema que escrevi há muito tempo, quando minha filha era pequenininha...

Eu não sou poetiza, mas, certa vez escrevi um poema... o meu primeiro poema.

Escrevi para minha filha. Ela está aqui na platéia, e talvez esta seja a grande oportunidade para que ela entenda melhor o que eu queria dizer quando o escrevi, pois, como eu não sou profunda conhecedora da LIBRAS, minha escrita em Língua Portuguesa talvez não alcance a minha filha, nem aos demais surdos, como eu gostaria de alcançasse... mas, com o trabalho do intérprete, o poema em LIBRAS ficará mais claro, mais tocante para eles.








Portanto, intérprete, desculpe a maldade, mas preciso de seus serviços nesta hora! E, por favor, observem como o trabalho de um intérprete de LIBRAS é necessário e altamente profissional!

Vamos ao poema:


Quisera traduzir o que dizes

Com teu jeitinho matreiro.

Quisera entender o que falas

Quando de mim tu esperas

Uma boa explicação.



Quisera entender o teu gesto,

Esse sinal tão simpático,

Dessas mãozinhas pequenas,

Dessa expressão tão profunda,

Que do coração pequenino

Falam de grande intenção.



Quisera gravar meu caminho

Para que no futuro tu visses

De onde parti e onde cheguei,

Mas, destacar as certezas

Que a vida, enfim, me mostrou.



Quisera transmitir minhá fé

Para que juntas possamos

Chegar ao “Mais que Perfeito”



Quisera poder te falar

Quisera, meu Deus, quem dera!



E a mim me ocorre (pudera!):

Quando entenderá meu “Quisera”?


               Desde que minha filha surda era muito pequena, esta sempre foi a minha preocupação: quando ela poderá entender o que eu estou tentando lhe falar? Quando poderemos efetivamente” conversar”? Eu falando de cá, e ela respondendo de lá, em perfeita sintonia...

Eu pensava: minha língua é tão difícil! São tantas as palavras, são tantos os verbos... O que vai acontecer conosco, meu Deus? Eu não aceitava que não houvesse plena comunicação! Estava disposta a me esforçar bastante para quebrar a barreira da comunicação. Inicialmente comecei no Oralismo, mas, quando ela tinha seis anos de idade, a Língua de Sinais entrou nas nossas vidas e tudo ficou muito mais fácil!

Quando eu era criança, meu pai fez um lindo poema, usando todos os verbos no “Mais que Perfeito”: Quisera, pudera, aparecera, sumira...

Achei aquele poema muito lindo! Pensei: como meu pai é inteligente! Como ele escreve bonito! Um dia eu vou escrever como ele!

Quando comecei a escrever este primeiro poema, de lá de dentro veio a vontade de escrever como meu pai, de usar os verbos que ele usava, de escrever do jeito mais difícil, para marcar mesmo o tamanho do caminho se precisa caminhar até que um surdo entenda a Língua Portuguesa tão bem como um ouvinte.

Este caminho é muito longo! Precisamos de muito estudo, de muita pesquisa, de muito trabalho sério!

Precisamos de muita colaboração entre surdos e ouvintes para que tanto eles entendam a nossa língua como para que nós entendamos a língua deles! Exige troca, muita troca. Exige respeito, muito respeito! Exige dedicação, muita dedicação (trabalho). Exige trabalho profissional e competência técnica!

Este curso de Letras/LIBRAS surgiu para encurtar este caminho.

O curso de Letras/LIBRAS foi criado para que, principalmente os surdos, aprendam a estudar e a pesquisar sua própria língua. Aprendam a amar e a defender a sua língua e a sua escola. Para que aprendam a valorizar e a lutar pela Educação.

Certamente 100% dos graduandos do curso não sairão plenamente bilíngües, no sentido de conhecerem profundamente tanto a LIBRAS como a Língua Portuguesa, mas, devo lembrá-los que também não é 100% dos ouvintes que são conhecedores da Língua Portuguesa, e, para dizer a verdade, nem todos os ouvintes sabem conjugar o “Mais que Perfeito”!

O que quero frisar é que bilingüismo perfeito não existe, ou seja: 50% para uma língua, 50% para outra. Somos, todos, pessoas que carregam marcas de nossas histórias e das experiências que vamos vivenciando ao longo da vida – com isto privilegiamos nossa língua materna: aquela que nos toca profundamente e que nos dá conforto quando a usamos. Aqueles que têm o poder de planejar processos educacionais têm a obrigação de saber isto: que não podem obrigar uma pessoa a participar do processo educacional em outra língua que não seja a sua língua materna – como desde 1957 já declarava a UNESCO.

Temos aqui uma turma de pessoas surdas e de pessoas ouvintes; temos aqui pessoas muito diferentes, com potenciais diferentes, com histórias diferentes e com futuros diferentes.

O que espero é que todos que estão aqui hoje, ao se encontrarem com estes profissionais da LIBRAS em seus caminhos, seja profissionalmente, seja em sua vidas privadas, possam entender que por trás de cada um existe uma pessoa plena, completa. Os surdos não são “erros de fabricação”. Eles foram feitos pelo Criador como surdos – é assim que eu creio. Certamente Deus ama os surdos e também se comunica nas línguas de sinais!

Não podemos, portanto, fazer menos que isto: colaborar com a comunidade surda na difusão, na pesquisa e no ensino da Língua de Sinais... Colaborar com a comunidade surda na luta pela garantia de uma educação significativa para os surdos. Somos partícipes desta luta e esta parceria entre UFSC e UFAM certamente vai ficar na história como uma iniciativa que deu certo.

Compete a nós, da UFAM, agradecer à UFSC e ao MEC pelo investimento na formação destes profissionais, e prometer que continuaremos nesta luta. Infelizmente não temos outras turmas com esta mesma parceria, mas, haveremos de inventar outras formas para não deixar esta iniciativa morrer.

A UFAM está convocada a colaborar na luta pela causa surda!

Obrigada, Magnífica Reitora Márcia por já se declarar partícipe conosco nesta luta! Contamos com você e com todos vocês!

Profa. Dra. Nídia Limeira de Sá

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