Vou começar este discurso fazendo
uma grande maldade com o(a) intérprete!
Começarei lendo um poema que
escrevi há muito tempo, quando minha filha era pequenininha...
Eu não sou poetiza, mas, certa vez
escrevi um poema... o meu primeiro poema.
Escrevi para minha filha. Ela está aqui na platéia, e
talvez esta seja a grande oportunidade para que ela entenda melhor o que eu
queria dizer quando o escrevi, pois, como eu não sou profunda conhecedora da
LIBRAS, minha escrita em Língua Portuguesa talvez não alcance a minha filha,
nem aos demais surdos, como eu gostaria de alcançasse... mas, com o trabalho do
intérprete, o poema em LIBRAS ficará mais claro, mais tocante para eles.
Portanto, intérprete, desculpe a maldade, mas preciso
de seus serviços nesta hora! E, por favor, observem como o trabalho de um
intérprete de LIBRAS é necessário e altamente profissional!
Vamos ao poema:
Quisera traduzir o que
dizes
Com teu jeitinho matreiro.
Quisera entender o que
falas
Quando de mim tu esperas
Uma boa explicação.
Quisera entender o teu
gesto,
Esse sinal tão simpático,
Dessas mãozinhas pequenas,
Dessa expressão tão
profunda,
Que do coração pequenino
Falam de grande intenção.
Quisera gravar meu caminho
Para que no futuro tu
visses
De onde parti e onde
cheguei,
Mas, destacar as certezas
Que a vida, enfim, me
mostrou.
Quisera transmitir minhá
fé
Para que juntas possamos
Chegar ao “Mais que
Perfeito”
Quisera poder te falar
Quisera, meu Deus, quem dera!
E a mim me ocorre (pudera!):
Quando entenderá meu “Quisera”?
Desde que minha filha
surda era muito pequena, esta sempre foi a minha preocupação: quando ela poderá
entender o que eu estou tentando lhe falar? Quando poderemos efetivamente”
conversar”? Eu falando de cá, e ela respondendo de lá, em perfeita sintonia...
Eu pensava: minha língua é tão difícil! São tantas as
palavras, são tantos os verbos... O que vai acontecer conosco, meu Deus? Eu não
aceitava que não houvesse plena comunicação! Estava disposta a me esforçar
bastante para quebrar a barreira da comunicação. Inicialmente comecei no
Oralismo, mas, quando ela tinha seis anos de idade, a Língua de Sinais entrou
nas nossas vidas e tudo ficou muito mais fácil!
Quando eu era criança, meu pai fez um lindo poema,
usando todos os verbos no “Mais que Perfeito”: Quisera, pudera, aparecera,
sumira...
Achei aquele poema muito lindo! Pensei: como meu pai é
inteligente! Como ele escreve bonito! Um dia eu vou escrever como ele!
Quando comecei a escrever este primeiro poema, de lá
de dentro veio a vontade de escrever como meu pai, de usar os verbos que ele
usava, de escrever do jeito mais difícil, para marcar mesmo o tamanho do
caminho se precisa caminhar até que um surdo entenda a Língua Portuguesa tão
bem como um ouvinte.
Este caminho é muito longo! Precisamos de muito
estudo, de muita pesquisa, de muito trabalho sério!
Precisamos de muita colaboração entre surdos e
ouvintes para que tanto eles entendam a nossa língua como para que nós
entendamos a língua deles! Exige troca, muita troca. Exige respeito, muito
respeito! Exige dedicação, muita dedicação (trabalho). Exige trabalho
profissional e competência técnica!
Este curso de Letras/LIBRAS surgiu para encurtar este
caminho.
O curso de Letras/LIBRAS foi criado para que,
principalmente os surdos, aprendam a estudar e a pesquisar sua própria língua.
Aprendam a amar e a defender a sua língua e a sua escola. Para que aprendam a
valorizar e a lutar pela Educação.
Certamente 100% dos graduandos do curso não sairão
plenamente bilíngües, no sentido de conhecerem profundamente tanto a LIBRAS
como a Língua Portuguesa, mas, devo lembrá-los que também não é 100% dos
ouvintes que são conhecedores da Língua Portuguesa, e, para dizer a verdade,
nem todos os ouvintes sabem conjugar o “Mais que Perfeito”!
O que quero frisar é que bilingüismo perfeito não
existe, ou seja: 50% para uma língua, 50% para outra. Somos, todos, pessoas que
carregam marcas de nossas histórias e das experiências que vamos vivenciando ao
longo da vida – com isto privilegiamos nossa língua materna: aquela que nos
toca profundamente e que nos dá conforto quando a usamos. Aqueles que têm o
poder de planejar processos educacionais têm a obrigação de saber isto: que não
podem obrigar uma pessoa a participar do processo educacional em outra língua
que não seja a sua língua materna – como desde 1957 já declarava a UNESCO.
Temos aqui uma turma de pessoas surdas e de pessoas
ouvintes; temos aqui pessoas muito diferentes, com potenciais diferentes, com
histórias diferentes e com futuros diferentes.
O que espero é que todos que estão aqui hoje, ao se
encontrarem com estes profissionais da LIBRAS em seus caminhos, seja
profissionalmente, seja em sua vidas privadas, possam entender que por trás de
cada um existe uma pessoa plena, completa. Os surdos não são “erros de
fabricação”. Eles foram feitos pelo Criador como surdos – é assim que eu creio.
Certamente Deus ama os surdos e também se comunica nas línguas de sinais!
Não podemos, portanto, fazer menos que isto: colaborar
com a comunidade surda na difusão, na pesquisa e no ensino da Língua de
Sinais... Colaborar com a comunidade surda na luta pela garantia de uma
educação significativa para os surdos. Somos partícipes desta luta e esta
parceria entre UFSC e UFAM certamente vai ficar na história como uma iniciativa
que deu certo.
Compete a nós, da UFAM, agradecer à UFSC e ao MEC pelo
investimento na formação destes profissionais, e prometer que continuaremos
nesta luta. Infelizmente não temos outras turmas com esta mesma parceria, mas,
haveremos de inventar outras formas para não deixar esta iniciativa morrer.
A UFAM está convocada a colaborar na luta pela causa
surda!
Obrigada, Magnífica
Reitora Márcia por já se declarar partícipe conosco nesta luta! Contamos com
você e com todos vocês!
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