(Este texto é composto de partes do meu livro "Cultura, poder e educação de surdos")
No Brasil e no mundo ainda tem
grande força a abordagem educacional oralista. Oralismo é o nome dado àquelas abordagens que enfatizam a fala e a
amplificação da audição e que rejeitam, de maneira explícita e rígida, qualquer
uso da língua de sinais. Assim, “o oralismo tanto é uma ideologia quanto um
método” (Wrigley, 1996, p. 15).
Aqui e ali instituições anteriormente comprometidas com uma visão oralista, pressionadas por diversos movimentos de resistência, começam a abrir oportunidades para a penetração da língua de sinais em seus territórios (destaco que nem sempre o fato de se suportar a presença da língua de sinais significa permitir a presença da comunidade surda ou de adultos surdos nos espaços educacionais, o que, na maioria dos casos continua sendo indesejável). Assim, com a pretensão de sair do Oralismo – agora já um tanto mal visto – muitas instituições afirmam estar aceitando a língua de sinais e trabalhando sob a égide da Comunicação Total.
Owen Wrigley comenta: “A
Comunicação Total veio significar a mistura da fala e língua dos sinais mais
convenientes a cada professor (...). O uso da língua dos sinais nesses
ambientes mostrou-se ser, na melhor das hipóteses, apenas ‘fala apoiada pelos
sinais’, que é inadequada para ser compreendida por uma criança surda como uma
mensagem completa (...). A ‘Comunicação Total’ é qualquer coisa, menos total, e
raramente comunica” (ibid., p. 15).
Num anterior trabalho sobre a
educação de surdos, analisando discursos de profissionais e de adultos surdos
percebi que o termo “Comunicação Total” é usado com diferentes entendimentos:
a) pode referir-se a um posicionamento “filosófico-emocional” de aceitação do
surdo e de exaltação da comunicação efetiva pela utilização de quaisquer recursos
disponíveis; b) pode referir-se à abordagem educacional bimodal que objetiva o
aprendizado da língua da comunidade majoritária através da utilização de todos
os recursos possíveis além da fala, quais sejam: leitura dos movimentos dos
lábios, escrita, pistas auditivas, e, até mesmo de elementos da língua de
sinais; c) pode referir-se a um tipo de bimodalismo exato, que faz uso
simultâneo ou combinado de sinais extraídos da língua de sinais, ou de outros
sinais gramaticais não presentes nela, mas que são enxertados para traduzir a
linearidade da língua na modalidade oral e para auxiliar visualmente o
aprendizado da língua-alvo, que é a oral” (Sá, 1999, p. 99-102). Seja como for,
qualquer abordagem que não considere a língua de sinais como primeira língua, e
a língua utilizada por surdos proficientes como referencial, é uma mera
conveniência para com os profissionais ouvintes que trabalham na área da
surdez.
Atualmente estão sendo divulgados trabalhos
educacionais bilíngües, ou “com bilingüismo”, os quais postulam a língua de
sinais como primeira língua e como eixo fundamental. Os resultados positivos
que vêm conseguindo, bem como toda a discussão que tem sido levantada quanto ao
fracasso das abordagens anteriores, têm levado a que todas as propostas de
educação de surdos desejem a adjetivação “bilíngüe”. No entanto, esta é uma
adjetivação incompleta, pois que, ainda que desejável, por negar a ideologia
oralista dominante e por pressupor a língua de sinais como primeira língua,
nada diz quanto à questão das culturas envolvidas, das identidades surdas, das
lutas por poderes, saberes e territórios, e, finalmente, nada deixa definido
quanto às políticas para as diferenças.
Ora, quando se opta por
interpretar a língua de sinais como primeira língua a ser considerada no
processo educativo dos surdos, tem-se que entender que tal proposição, como
decorrência, altera toda a organização escolar, os objetivos pedagógicos, a
participação da comunidade surda no processo escolar, bem como nega a
necessidade da integração escolar.
No Brasil a inclusão escolar de
surdos tem sido defendida pelo poder oficial que, com um discurso que apela às
emoções, tem tentado disseminar a idéia de que é um ato de discriminação
colocar os surdos, bem como qualquer outro tipo de “deficiente”, tristemente
isolados em escolas especiais – atribui-se que é um atentado à modernidade, ou
ao avanço tecnológico, ainda se desejar manter grupos “isolados”. Defende-se a
idéia de que colocar os “deficientes” junto às pessoas “normais” é um sinal de
grande avanço impulsionado pela solidariedade. O foco é colocado nas concessões
e ajustes que as escolas e instituições devem fazer para “receber” a estes. A
idéia é manter “todos” juntos para assimilar a diversidade. O que não fica
muito explícito, no entanto, é que a separação do outro pode ser conseguida,
apesar da aproximação física, por restrição da comunicação; ou seja: “separação
com o propósito de criar uniformidade” (Wrigley, 1996, p. 52).
A inclusão que defendemos é aquela que
compreende o acesso igual ao conteúdo curricular – a questão da dispersão
física das crianças ouvintes não é o problema central. Afirmo com Wrigley:
“quando a diferença da surdez é obliterada, através da insistência tanto na
identificação social como ‘semelhante aos que ouvem’ quanto numa modalidade da
comunicação centrada na oralidade, então a inclusão justa, compreendida como
acesso ao conteúdo curricular, é funcionalmente negada” (Wrigley, 1996, p. 91).
Incluir
surdos em salas de aula regulares, invibializa o desejo dos surdos de construir
saberes, identidades e culturas a partir das duas línguas (a de sinais e a
língua oficial do país) e impossibilita a consolidação lingüística dos alunos
surdos. Não se trata de apenas aceitar
a língua de sinais, mas de viabilizá-la, pois todo trabalho pedagógico que
considere o desenvolvimento cognitivo tem que considerar a aquisição de uma
primeira língua natural (este é o eixo fundamental do “bilingüismo”, tal como o
defendemos). De outra forma, como a criança estabelecerá contato com o mundo de
representações que a cerca? Como tecerá suas próprias significações? Ao
contrário, caso a criança surda tenha uma língua natural, ela contará com a
base para a aquisição de uma segunda língua, pois terá as condições ótimas para
o desenvolvimento de sua cognição, de sua auto-estima e de sua identidade.
Ora, aos
defensores da “integração escolar equânime”, poderíamos perguntar: é possível
ter escola onde haja o mesmo número de crianças surdas e ouvintes? Dá para ter
o mesmo número de professores surdos e ouvintes, e que todos sejam fluentes nas
duas línguas? Ora, ainda que isto fosse possível, ainda assim não haveria mães,
pais, avós, e irmãos surdos para distribuir a todas as crianças surdas...
Enfim, uma integração escolar equânime fica bem apenas em discursos.
Quando se
defende a língua de sinais como primeira língua não se está afirmando que o
desenvolvimento cognitivo depende exclusivamente
do domínio de uma língua, mas se está crendo que dominar uma língua garante
melhores recursos para as cadeias neuronais envolvidas no desenvolvimento dos
processos cognitivos. Assim, objetivamente, o que pretendem os defensores do
“bilingüismo” é garantir o domínio de uma língua para dar bases sólidas ao
desenvolvimento cognitivo do indivíduo (Fernandez, 2000, p. 49). Destaco, com
Eulália Fernandez, que o uso do termo “bilingüismo”, no entanto, também exige o
cuidado de não se estar pretendendo uma exclusividade para a língua de sinais
(como se o surdo não fosse capaz de aprender a língua da comunidade
majoritária), ou seja: “Defendemos um bilingüismo, não um monolingüismo às
avessas” (Fernandez, 2000, p. 50). No entanto, Owen Wrigley adverte: “o acesso
a ambas as modalidades parece inconveniente demais para ser levado em
consideração” (1996, p. 32).
O que se vê
no cotidiano atual, ainda baseado no Oralismo ou na Comunicação Total, é que
geralmente a criança surda não tem acesso ao conhecimento comunitário e
cultural através de uma língua. Concordo com Luis Behares quando diz: “Ainda
que a terapia de fala comece precocemente,
não é cientificamente possível esperar que a língua oral se constitua
imediatamente em um instrumento natural de interação e construção cognitiva”
(2000?, p. 5). Geralmente é a escola que
atua como “doadora” ou “informante da linguagem, dada a estatística de que 96%
dos surdos nascem em famílias de ouvintes. A escola, portanto, se reveste de
uma importância crucial, pois é ela quem pode compensar os déficits
sócio-culturais aos quais a criança surda está exposta por estar numa
comunidade majoritariamente ouvinte.
Na
tradicional perspectiva terapêutica que insiste em definir a educação de
surdos, a discussão, quando há, ainda é bastante atrelada à questão das
línguas. Ainda discute-se a propriedade de usar ou não a língua de sinais no
processo pedagógico de surdos. Na discussões, até se alcança uma aceitação
superficial, mas, não se oportuniza – esta é uma fundamental questão.
Ora, uma
educação bilíngüe é muito mais que o domínio ou uso, em algum nível, de duas
línguas. Neste texto procuro ultrapassar o campo restrito desta discussão pois
este não dá conta de abarcar todas as questões envolvidas. É necessário ver a
educação de surdos sendo caracterizada tanto como uma educação bilíngüe como
também enquanto uma educação multicultural. Esta não é uma mera decisão de
natureza técnica, é uma decisão politicamente construída e
sociolingüisticamente justificada (Skliar, 1999a, p. 10). Uma educação bilíngüe
que não seja embasada em uma perspectiva multicultural corre o risco de
valorizar a questão lingüística e esquecer todo os demais aspectos
interrelacionados.
Uma educação
bilíngüe-multicultural não envolve apenas considerar a necessidade do uso de
duas línguas, mas, significa além de dar espaço privilegiado e prioritário à
língua natural dos surdos, ter como eixo fundamental a identidade e a cultura.
O multiculturalismo, do qual falo, pressupõe um intercâmbio cultural, no qual
não apenas ouvintes e surdos interajam e mutuamente se enriqueçam, mas outras
culturas sejam ressaltadas, pois a relação ouvinte-surdo não é a única
categoria da análise a ser considerada
(e até mesmo porque em todas as culturas certamente haverá surdos). É
necessário decifrar o conceito de “multiculturalismo”, pois este vem sendo
utilizado sob perspectivas diferentes e até antagônicas, como anteriormente já
comentamos. Uso o termo “multicultural” para me referir à necessidade de
consideração das culturas raciais, de gênero, de classes, etc., que mesclam
qualquer situação cultural.
As
políticas educativas criam modalidades de escolarização para o surdo: ou são
integrados às classes regulares ou são encaminhados às escolas
específicas/especiais para surdos. Em qualquer destas situações, melhores
resultados alcançam os filhos surdos de pais surdos, que têm a oportunidade de adquirirde forma natural a língua de
sinais utilizada por seus pais e de assimilar informações sociais e ambientais
em tempo e volume semelhante ao de uma criança que ouve. Ora, tal condição
possibilita a inserção social e modelos identificatórios presentes e confortáveis,
os quais geram sentimentos de pertença, auto-estima e auto-valorização.
Ao fazer a
defesa pela utilização do bilingüismo e de uma postura multicultural na
educação de surdos, se está pleiteando radicais mudanças; mas não se está
cometendo delírios infundados. Até mesmo a Assembléia Geral da ONU (em dezembro
de 1987) aceitou a recomendação de seus especialistas que, reunidos num
Encontro Global, declararam: “os surdos (...) devem ser reconhecidos como uma
minoria lingüística, com o direito específico de ter suas línguas de sinais
nativas aceitas como sua primeira língua oficial e como o meio de comunicação e
instrução, tendo serviços de intérpretes para suas línguas de sinais”[1].
Mas, a despeito dos documentos oficiais que apontam para a necessidade de mudanças,
vemos que os surdos ainda hoje continuam isolados lingüisticamente da cultura
dominante, restritos a graus inferiores das esferas sociais e econômicas pelo
fracasso educacional a que foram levados (e do qual foram culpabilizados). Mas,
analisando-se a natureza política do fracasso educacional - que tem sido a
tônica na educação de surdos em mais de um século de história sob a perspectiva
da educação correcional ou terapêutica - pode-se dizer, com Carlos Skliar, que
“a educação de surdos não fracassou, ela apenas conseguiu os resultados
previstos em função dos mecanismos e das relações de poderes e saberes atuais”
(1998b, p. 19).
Em suma, a história da surdez é
uma história de apropriações pelos ouvintes. Novas tecnologias cada vez mais
criam e estabelecem estas visões colonialistas. A desnudação aqui pretendida
ameaça interesses estabelecidos. Friso que o presente texto aborda uma
problemática mais importante que a questão das metodologias de ensino, pois –
observe-se - estas surgem e se efetivam tendo, por trás, conceitos. É ao nível
dos conceitos, das interpretações, das significações, que este texto pretende
colaborar, provocando ressignificações e novas interpretações sobre a surdez e
sobre os surdos. As transformações do cotidiano das escolas e das comunidades
certamente virão como decorrência destas novas visões.
Não se deve, nem se pode,
delimitar as questões pertinentes à educação de surdos como se se tratasse de
modelos conceituais opostos. Qualquer questão pontuada na área da educação em
geral deve ser sempre estudada não como se estivesse em linhas opostas, mas, em
territórios irregulares, assimétricos, contestados, isto porque são enfrentadas
relações de poder/saber, também assimétricas e irregulares, que constantemente
e dinamicamente atravessam e delineiam os projetos pedagógicos e as políticas
públicas.
Tais novas visões quanto à surdez e os surdos força a
tomada de posição diante da encruzilhada na qual a educação
de surdos se encontra: ou continua sendo mantida dentro dos paradigmas da “Educação
Especial” ou aprofunda-se num novo campo conceitual - os Estudos Surdos,
aproximando-se de outras linhas de pesquisa e estudo em educação (Skliar,
1998b:11). Os estudos sobre a surdez e sobre a educação de surdos, feitos,
inclusive, pelos próprios, estão situando-se atualmente na direção de outras
linhas de estudo como: os estudos negros, os estudos de gênero, os estudos de
classes populares, etc. Isto inclui a educação de surdos num contexto
discursivo mais apropriado à situação lingüística, social, comunitária,
cultural e identitária das pessoas surdas. Carlos Skliar adverte: “não se
trata, então, de dizer que os surdos padecem dos mesmos problemas que todos os
demais grupos minoritários, obscuros, colonizados, subalternos e dominados.
Mas, trata-se de produzir uma política de significações que gera um outro
mecanismo de participação dos próprios surdos no processo de transformação
pedagógica (ibid, p. 14).
Convém
fazer um parêntese para esclarecer que entendo que a chamada “Educação
Especial” tem o seu lugar quando se refere à abordagem de questões específicas
de interesse de grupos minoritários que têm como uma das características
constitutivas de suas identidades o fato de apresentarem (ou não) alguma
considerável diferença em termos sensoriais e/ou mentais. Entendo que as
questões que estão sendo tratadas pelo referencial dos Estudos Culturais podem
oferecer subsídios para a compreensão de fenômenos como discriminação,
opressão, exclusão, etc., destes grupos, mas, penso que a plenitude das discussões
teóricas, que ocorrem na linha dos Estudos Culturais, não podem ser aplicadas a
estes grupos, pois que não se constituem em “grupo cultural” (o que não é o
caso dos surdos – que têm língua, cultura e comunidades constituídas por eles
próprios, tendo a surdez como eixo identitário). É desejável que no âmbito da
chamada Educação Especial passem a ser discutidos os estudos mais recentes
sobre a constituição das identidades e das subjetividades pela eficácia do
poder das representações dominantes e hegemônicas sobre a
“deficiência/anormalidade”, o que certamente trará contribuições que poderão
alterar muitos dos quadros que hoje se delineiam, os quais condenam pessoas com
alguma diferença sensorial, motora ou mental, a serem tratadas no escopo do
assistencialismo, da caridade pública e da negação de suas vozes, sentimentos e
identidades.
Os Estudos Surdos apoiando mudanças nas políticas para
a educação de surdos
Com apoio em Carlos Skliar ,
podemos assim definir os Estudos Surdos no contexto da educação:
“Os Estudos Surdos em
Educação podem ser pensados como um território de investigação educacional e de
proposições políticas que, através de um conjunto de concepções lingüísticas,
culturais, comunitárias e de identidades, definem uma particular aproximação – e
não uma aproximação – com o conhecimento e com os discursos sobre a surdez e
sobre o mundo dos surdos” (1998b, p. 29).
Digamos que os Estudos Surdos em
educação problematizam justamente aquilo que em geral não é problematizado: nem
na Educação Especial nem em outras abordagens desta temática. O problema, nesta
perspectiva, não é a surdez, não são os surdos, não são as identidades surdas,
não é a língua de sinais, mas sim, as
representações dominantes, hegemônicas e “ouvintistas” sobre as identidades surdas, a língua de sinais, a surdez e os
surdos (ibid, p. 29, 30). Esclareço, mais uma vez com Carlos Skliar, quem
primeiramente usou a expressão “ouvintismo”, que este trata “de um conjunto de
representações dos ouvintes, a partir do qual o surdo está obrigado a olhar-se
e a narrar-se como se fosse ouvinte. Além disso, é nesse olhar-se, e nesse
narrar-se, que acontecem as percepções do ser “deficiente”, do “não ser
ouvinte”; percepções que legitimam as práticas terapêuticas habituais” (ibid,
p. 15). O termo “ouvintismo” baseia-se na idéia de “colonialismo”, o qual
refere-se a uma relação de poder desigual entre dois ou mais grupos na qual “um
não só controla e domina o outro como ainda tenta impor sua ordem cultural
ao(s) grupo(s) dominado(s)” (Mery, 1991, apud Wrigley, 1996, p. 72).
Caminhando
nesta direção, entendo que os surdos formam uma minoria cultural não melhor nem
pior que outras minorias, apenas diferente. As minorias culturais costumam ser
oprimidas e dominadas pelas culturas que exercem maior poder, no entanto, é
importante que se destaque que, uma minoria cultural nem sempre é uma minoria
quantitativa, pois existem minorias quantitativas que exercem maior poder sobre
os sentidos e os significados, seja este poder econômico, de decisão, de
enunciação, etc. Os Estudos Culturais, então, inscrevem-se na luta para que todas as culturas venham a ser
consideradas na rede social. Para que
isto seja possível, uma das áreas de maior conflito/interesse é a área da
educação, por seu poder constituidor de subjetividades. Assim, os Estudos
Culturais envolvem uma educação multicultural.
Por estes
mesmos Estudos, se vem a entender que toda educação está envolvida num contexto
de luta entre os grupos culturalmente dominantes e os culturalmente dominados.
No entanto, os grupos culturalmente dominados geralmente buscam modificar, por
meio de suas ações, de seus posicionamentos, de seus discursos, a lógica
através da qual a sociedade produz sentidos e significados sobre si mesma e
sobre os grupos que a constituem – daí
se pode depreender o valor de se estudar os grupos culturalmente dominados e as
propostas educacionais a eles dirigidas.
Assim, os
Estudos Surdos se incluem entre os temas multiculturalistas. Estes, por sua
vez, se incluem no debate sobre a democratização das relações de poder nas
sociedades de modo geral. As lutas políticas que estes conceitos demandam,
contribuem para as tentativas de negação dos preconceitos que se têm sobre os
surdos, mas, estas lutas e estes novos conceitos ainda não conseguiram quebrar
as resistências no “sistema brasileiro de ensino”, pois seus gestores se crêem
conhecedores das melhores maneiras de se educar um surdo, no entanto, estes
mesmos – os surdos – geralmente não são chamados ao menos a expressar sua
opinião sobre o projeto educacional e sobre as políticas educativas mais
adequadas para atender à sua especificidade.
Lutar por
um sentido multiculturalista em educação não significa desejar a
universalização das minorias culturais, ou a sua diluição em todo o sistema de
ensino oficial, nem tampouco a inserção das crianças e jovens integrantes das
minorias culturais nas escolas oficiais, como seria o caso dos surdos, ou dos
indígenas, por exemplo. Estas são propostas que estão colocadas pelo poder
oficial em diversos momentos e espaços. Mas, pelo contrário, entendo que é
perfeitamente viável e desejável optar-se pela criação de escolas específicas
para minorias, na medida em que isto a elas interessem, para atender ao
preceito constitucional segundo o qual participar de um processo educacional é
um direito ao qual devem ter acesso todas as pessoas. No entanto, é bom que se
frise que participar de um processo educativo significativo é o que deveria implicar o propalado “direito de
todos” (Sá, 1997, p. 34). Ora, não é qualquer processo educacional que
interessa!
Estes novos
direcionamentos demandam propostas que garantam uma política cultural de
alcance nacional e a formação permanente de professores especializados
(inclusive professores surdos, professores indígenas, etc.). Demandam também
uma produção acadêmica que possa dar sustentação aos projetos educacionais
multiculturais e inovadores, mas, nunca se pode excluir as discussões com e entre os grupos aos quais se destinam.
Porfa. Dra. Nídia Limeira de Sá
[1]
Relatório Final do Encontro de Especialistas para Rever a Implementação do
Programa Mundial de Ação em Relação aos Deficientes – Estocolmo – 17 a 22/8/87, citado por
Wrigley (1996, p. xiii).
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